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terça-feira, 23 de abril de 2013

Conto: No noticiário - 1 parte


 No noticiário
       baldio é meu terreno e meu alarde (Legião Urbana)

            Ela escutava a TV. Sentada no sofá, havia interrompido algo que fazia em seu computador e que a estava deixando exausta.
            Ela mora só. Antes com ela, uma gata, sua única e verdadeira amiga. Agora só a solidão da perda, a necessidade de superar, já que sua gata morreu a cerca de um mês, e a raiva muda por não entender o porquê um ser amado se vai, ela que nunca aceitara a impossibilidade de fazer algo diante da morte, esta sentença que não dialoga conosco. Se fosse perguntada, ali,  sentada, inerte, olhando para um aparelho de TV e pensando como aceitar mais esta perda, ela que já passara por outras:  sua avó, seu pai, um tio querido,algumas pessoas que admirava, amigos, diferentes perdas, o que ela, de fato,  desejaria diante da mais recente, ela diria que gostaria que a vida fosse como antes. Com o amor que tinha.
            Dizem que os gatos escolhem as pessoas e não o contrário. Entre elas havia uma combinação, ambas aceitaram, olhando-se, olhos humanos nos olhos felinos, uma a outra, a aderir ao amor incondicional. Esse tipo de escolha que parece ser oferecida aos seres num instante, que dura um piscar de olhos, ou um olhar, e, se os dois seres aceitam, há amor envolvido.
            Foi o que aconteceu ente ela e sua amiga gata.
            Mas ali, diante da TV , ela sabia, não tinha esta possibilidade de escolha. E sentia sua vida de agora diferente, mais solitária, vazia. Passaria um dia; a dor amenizaria, um dia. O esquecimento ajudando a memória a não adoecer. E foi vendo e ouvindo o noticiário com maior atenção que uma notícia, em particular, chamou-lhe a atenção: uma mulher havia sido encontrada morta, num terreno baldio. De início a comoção, mas nenhuma surpresa, afinal de contas, tantas mulheres assassinadas por dia no país que é o seu...O que despertou sua atenção foi quando o repórter descreveu as características da mulher, ainda não identificada: a idade aproximada, o tipo físico mediano, a cor da pele, dos cabelos e, mais, as três tatuagens que a tal mulher carregava em seu corpo: uma borboleta no pé esquerdo, uma frase no antebraço esquerdo e flores no direito.
            Ela acabou de ouvir a descrição estarrecida e ficou ainda mais, com o pensamento que lhe veio à cabeça: – Esta mulher sou eu!Eu estou morta!
Uma espécie de pânico poderia ter invadido o seu interior, como já ocorrera em certas situações, mas nada se assemelhava a esta situação, ou melhor, a esta constatação.
Uma calma, como uma rendição, tomou-a, e ela deu um longo suspiro. O que faria, a partir de agora, então? A partir desta descoberta?
Continua...

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