No noticiário
baldio é meu terreno e meu alarde (Legião Urbana)
Ela
escutava a TV. Sentada no sofá, havia interrompido algo que fazia em seu
computador e que a estava deixando exausta.
Ela
mora só. Antes com ela, uma gata, sua única e verdadeira amiga. Agora só a
solidão da perda, a necessidade de superar, já que sua gata morreu a cerca de
um mês, e a raiva muda por não entender o porquê um ser amado se vai, ela que
nunca aceitara a impossibilidade de fazer algo diante da morte, esta sentença
que não dialoga conosco. Se fosse perguntada, ali, sentada, inerte, olhando para um aparelho de
TV e pensando como aceitar mais esta perda, ela que já passara por outras: sua avó, seu pai, um tio querido,algumas
pessoas que admirava, amigos, diferentes perdas, o que ela, de fato, desejaria diante da mais recente, ela diria
que gostaria que a vida fosse como antes. Com o amor que tinha.
Dizem
que os gatos escolhem as pessoas e não o contrário. Entre elas havia uma
combinação, ambas aceitaram, olhando-se, olhos humanos nos olhos felinos, uma a
outra, a aderir ao amor incondicional.
Esse tipo de escolha que parece ser oferecida aos seres num instante, que dura
um piscar de olhos, ou um olhar, e, se os dois seres aceitam, há amor
envolvido.
Foi
o que aconteceu ente ela e sua amiga gata.
Mas
ali, diante da TV , ela sabia, não tinha esta possibilidade de escolha. E
sentia sua vida de agora diferente, mais solitária, vazia. Passaria um dia; a
dor amenizaria, um dia. O esquecimento ajudando a memória a não adoecer. E foi
vendo e ouvindo o noticiário com maior atenção que uma notícia, em particular,
chamou-lhe a atenção: uma mulher havia sido encontrada morta, num terreno
baldio. De início a comoção, mas nenhuma surpresa, afinal de contas, tantas
mulheres assassinadas por dia no país que é o seu...O que despertou sua atenção
foi quando o repórter descreveu as características da mulher, ainda não
identificada: a idade aproximada, o tipo físico mediano, a cor da pele, dos
cabelos e, mais, as três tatuagens que a tal mulher carregava em seu corpo: uma
borboleta no pé esquerdo, uma frase no antebraço esquerdo e flores no direito.
Ela
acabou de ouvir a descrição estarrecida e ficou ainda mais, com o pensamento
que lhe veio à cabeça: – Esta mulher sou eu!Eu estou morta!
Uma espécie de pânico poderia ter
invadido o seu interior, como já ocorrera em certas situações, mas nada se
assemelhava a esta situação, ou melhor, a esta constatação.
Uma calma, como uma rendição, tomou-a, e
ela deu um longo suspiro. O que faria, a partir de agora, então? A partir desta
descoberta?
Continua...
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